Estudo mostra que
adeptos da prática
usam menos áreas do cérebro para
desempenhar mesmas tarefas
que
pessoas que não meditam
Cabeça zen.
Bombardeio de estímulos causa
dificuldade de focar numa
tarefa e
executá-la do início ao fim,
segundo a pesquisadora
- Eliaria
Andrade
RIO - A pesquisadora Elisa Kozasa, do
Instituto do Cérebro do Hospital Israelita Albert Einstein, é bióloga com
pós-doutorado em Psicobiologia pela Unifesp e descobriu que a prática regular
de meditação “economiza” neurônios porque mantém o foco em exercícios de
atenção. Praticante de aikido há 32 anos, ela acredita que o grande trunfo seja
relaxar em momentos de estresse.
De acordo com sua pesquisa, pessoas que
meditam usam menos neurônios para executar as mesmas tarefas. É como se estas
pessoas “economizassem” o cérebro?
Sim, entre aspas seria isso sim. Essas
pessoas recrutam menos áreas cerebrais para executar as mesmas tarefas de
atenção. É como se as pessoas que meditassem regularmente tivessem um cérebro
mais eficiente para desempenhar estas tarefas.
Como isso acontece?
As práticas de meditação geralmente
desenvolvem treinamento de foco de atenção, uma atenção sustentada. A gente
interpreta que pessoas que praticam meditação com regularidade têm essa
habilidade mais desenvolvida, fica mais fácil manter a atenção sustentada
durante a tarefa de atenção.O estudo usou ressonância magnética funcional
por imagem para avaliar diferenças no cérebro de 20 meditadores e 19 não
meditadores combinados por idade, sexo e nível de escolaridade. Os não
meditadores mostraram maior atividade cerebral (giro frontal medial direito,
giro médio temporal, giros pré e pós central, núcleo lentiforme) durante a execução das tarefas.
Qualquer
pessoa consegue chegar a esse nível?
Nossa amostra era de gente como a
gente. Havia duas pessoas com vida monástica, mas os meditadores da amostra
tinham no mínimo três anos de prática constante: por 30 minutos, três vezes por
semana, numa média de oito anos de tempo de meditação. E essa amostra foi
suficiente para ver essa diferença entre meditadores e não meditadores. Esse
artigo ficou como o mais baixado da revista “Neuroimage” por quase cinco meses.
Ficamos bastante felizes e um tanto surpresos com o fato de um artigo sobre
meditação despertar tanto interesse.
O estudo usou alguma técnica específica
de meditação?
Fizemos o teste com pessoas de
diferentes técnicas que meditavam regularmente. Acreditamos que exista um
mecanismo similar entre as práticas — é claro que há diferenças entre elas também,
mas mais específicas — que, em termos de atenção, funcionam de maneira similar.
No estudo havia pessoas de meditação zen, de diferentes tradições budistas,
praticantes de ioga que faziam práticas meditativas também, de mindfulness,
que é uma técnica de atenção plena que está bastante na moda. No outro grupo
havia pessoas que nunca tiveram regularidade na prática de meditação.
Em que áreas os resultados do estudo
podem ser aplicados?
O teste que usamos envolve atenção e
controle de impulsos (Stroop Word-Colour Task — SWCT), em que aparece uma
palavra verde pintada de vermelho, e a pessoa tem que escolher a cor vermelha,
por exemplo. É um teste que exige manter atenção e inibir a tendência de ler a
palavra em vez de escolher a cor. Observamos um potencial de atenção sustentada
em quem pratica meditação. Hoje se fala muito em déficit de atenção, imaginamos
que a prática de meditação pode ajudar as pessoas em vários setores da vida
profissional, pode ser útil para atletas. O controle de impulsos é importante
para regulação emocional, na área de saúde mental as práticas meditativas são
bastante estudadas e podem ser úteis.
As áreas do cérebro relacionadas no
estudo têm a ver com atenção, controle e comportamento. É possível que a
meditação seja uma solução no tratamento de ansiedade ou vício em drogas,
problemas ligados a esse controle do cérebro?
Essa experiência mostra sim, que se
pode regular impulsos porque o SWCT é um teste de atenção e controle de
impulsos. Já existe atualmente um protocolo de prevenção a recaídas para
usuários de drogas que envolve meditação junto com terapias cognitivas.
Os resultados desse trabalho têm muito
a ver com uma forma de tratamento para a vida que estamos levando atualmente,
com tantos estímulos...
O grande problema é que somos
bombardeados constantemente por estímulos, e isso faz com que tenhamos
dificuldade de focar numa tarefa, iniciá-la e cumpri-la, tendo em vista a
quantidade de estimulações que a gente recebe durante o dia. Esse treinamento
de atenção da meditação não é aquela atenção com tensão física, é uma atenção
relaxada. Aliás, um dos pontos importantes da meditação é a prática informal. A
prática formal é quando a pessoa senta para praticar a meditação, em uma
determinada postura, usando uma determinada técnica. Mas o mais importante é
que a pessoa consiga resgatar esse momento durante o dia, no que faz, no que
fala, na maneira de se alimentar, tudo no sentido de procurar ter uma vida
melhor, isso é o mais importante.
A senhora acha que a chamada Geração Y,
criada a partir de tantos estímulos, lida com isso de uma forma diferente?
Eu não trabalho com essa área de
desenvolvimento, mas imagino — mais opinião que algo que eu tenha estudado,
porque não é a minha área — que possam existir diferenças entre pessoas que já
cresceram num ambiente de alto nível de estimulação, e pessoas que tiveram
outro tipo de vida, mas seria necessário fazer um estudo longitudinal,
acompanhando desde a infância o que pode estar acontecendo com o cérebro dessas
pessoas para comprovar essa tese.
Como surgiu seu interesse pela
meditação?
Eu tive o primeiro contato quando
comecei a praticar aikido, a arte marcial japonesa com ênfase nos estados mais
meditativos. No aikido o praticante se utiliza desses estados para realizar
movimentos. Comecei a praticar com 12 anos e hoje, com 44 anos, sou instrutora,
ou seja, tenho mais tempo treinando aikido que não treinando. Sem dúvida,
observei isso em mim e em grandes mestres de artes marciais que têm essa
habilidade meditativa de conseguir relaxar sob ataque, sob estresse. Isso
diferencia um bom artista marcial de um mediano.
A senhora acha que no futuro a
meditação estará mais presente no nosso cotidiano?
Já está. Em São Paulo, até as unidades
públicas de saúde oferecem práticas de ioga, meditação e tai chi chuan, por
exemplo. Hoje não há um clube ou academia que não ofereça aula de ioga, que
também envolve práticas meditativas. Isso já faz parte do cotidiano de boa
parte da população, e o interesse é cada vez maior, infelizmente, por questões
de estresse tão comuns em centros urbanos. Um estudo recente apontou que 30%
das pessoas da megalópole de São Paulo atingiram critérios de diagnóstico de
transtorno mental.
FONTE:
JORNAL O GLOBO POR VIVIANE
NOGUEIRA 19/01/2013 14:00
Nenhum comentário:
Postar um comentário