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sexta-feira, 5 de junho de 2015

RETIDÃO MORAL















O$ valore$ familiare$ e$tão em ri$co. E$palhem!





Em Campinas, maior cidade do interior paulista, vereadores se batem para aprovar um projeto que veta qualquer discussão sobre identidade de gênero e orientação sexual nas escolas. Menções a Deus e Diabo, Céu e Inferno, Sodoma e Gomorra foram apenas alguns dos argumentos usados pelos parlamentares para justificar a proposta em “defesa da família”, a única instituição autorizada, segundo eles, a ensinar aos filhos sobre como se vestir e com quem se deitar.

Na maior cidade do país, o Estado tentava definir não apenas o que deve ou não ser abordado em sala de aula, mas o próprio conceito de família: papai, mamãe, filhinhos. Ponto.

Guardados nesta caixinha bem definida, todos estariam a salvo de quaisquer desvios, morais e sexuais, como atestou o vereador Cid Ferreira (SDD) em sua fala. “Deus está aqui e o diabo está lá. Nós vamos para o céu e vocês para o inferno.”

Mal sabe (ou sabe?) o vereador que o céu das famílias tradicionais são também um polo multiplicador de neuroses e narcisismos de pequenas diferenças que transforma qualquer almoço de domingo num inferno sobre a terra: “Cê viu quem trocou de carro?”; “Olha como ela engordou”; “Só dorme e joga videogame o dia inteiro”; “Chegou bêbado em plena segunda-feira”; “Apanhou porque desobedeceu”; “Quando vai me pagar o empréstimo?”


 Entre os personagens, um casal gay trocava presentes. A veiculação motivou uma cruzada, novamente, em defesa da família. Ofendidos, religiosos pregaram boicotes à propaganda pela suposta exortação ao pecado. Contra essa ofensa valia tudo, inclusive rasgar os mandamentos cristãos relativos ao respeito e ao acolhimento com mais ofensas, ameaças e apelos à exclusão dos degredados filhos de Eva.

Como Deus é afeito a ironias, e não a moralismos, a semana barulhento terminou com uma notícia que uniu em choque silencioso cristãos e ateus. Um executivo, pai de dois filhos, casado há 30 anos, feliz nas fotos com a esposa, foi morto a tiros na saída de sua empresa, em São Paulo.

O assassino era um ex-detento. Mal a suspeita foi levantada, os cruzados de sempre já começavam a se recolher em suas caixinhas: os cidadãos de bem estão acuados, não podem sair de casa, os criminosos estão livres, onde estão os direitos humanos dos humanos direitos?

A vítima não poderia supor que seu assassinato fora tramado dentro da própria caixa: o conforto e a segurança do lar. O ex-detento, provável resultado de uma família desestruturada, do descaminho e dos vícios, como resumiriam os deterministas religiosos de plantão, não acordou num belo dia e resolveu desenferrujar a arma contra o primeiro que passasse em sua frente. Fora pago, e bem pago, pela mulher da vítima, que planejara o assassinato junto o amante – hetero e reprodutivo, até onde se sabe.

A polícia suspeita que os motivos do crime não foi a ausência de modos, modelos, exemplos, estruturas, cerimônias. O motivo foi o dinheiro – o mesmo totem que aprendemos dentro de casa e das escolas a amar sobre todas as coisas e como se fosse a nós mesmos. Por ele religiosos, ateus, sodomitas e recalcados se matam, dentro e fora das famílias, desde o Antigo Testamento.




FONTE:


BLOG DO


Matheus Pichonelli

Matheus Pichonelli é jornalista e cientista social. Trabalhou em veículos como Folha de S.Paulo, Gazeta Esportiva, portal iG e CartaCapital, onde mantém uma coluna sobre sociedade, cinema e comportamento. Neste blog, analisa as ações e discursos comuns de políticos e eleitores em um país ainda sequestrado pelo sufixo “ismo”: o racismo, o patrimonialismo, o machismo, o sexismo e o paternalismo

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